Evolução da Homossexualidade
Bruna Gonçalves Matos, Felipe Donateli Gatti,
Gabriela de Oliveira Faria e Leonardo Rodrigues dos Santos
O comportamento homossexual é tema de acaloradas discussões na sociedade e no meio acadêmico. Cientistas buscam compreender os determinantes do homossexualismo e investigam se este é determinado comportamentalmente ou pela genética. Para os evolucionistas, mais do que polêmica essa questão é um desafio, pois à primeira vista o comportamento homossexual parece violar uma "lei" básica da natureza: a da procriação e, sendo assim, como esse padrão se mantém apesar de não propiciar a reprodução (Sommer e Vasey, 2006)?
A ideia de que os organismos existem para reproduzir-se e perpetuar a espécie faz parte do pensamento científico e da teoria da evolução. Em uma visão estritamente Darwiniana, os organismos buscam maximizar o sucesso reprodutivo, aumentando o número de descendentes viáveis para que sua própria informação genética seja transmitida às gerações futuras (Sommer e Vasey, 2006).
O comportamento homossexual é muito comum entre os animas, tendo sido observado em todas as espécies animais em que a sexualidade foi investigada ou observada (Menezes e Brito, 2006 apud Gadpaille, 1980). Bruce Bagemihl em seu livro Biologial Exuberance: Animal Homosexuality and Natural Diversity (1999) sobre comportamento homossexual de animais, fornece evidências de que centenas de mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes, insetos, aranhas e outros invertebrados envolvem-se em atividade sexual com indivíduos do mesmo sexo. Pesquisas anteriores classificavam o comportamento homossexual nos animais como manifestação patológica ou como consequência da vida em cativeiro e pouco provável de ser observado na natureza. No entanto, estudos mais detalhados de animais em seus ambientes naturais tornou cada vez mais difícil afirmar que todas as interações sexuais entre os membros do mesmo sexo são exceções, idiossincrasias, ou patologias (Sommer e Vasey, 2006).
Claramente, o que já foi pensado para ser uma aberração parece ser um padrão de comportamento que é amplamente, embora de forma desigual, distribuídos em todo o reino animal. De fato, dentro de um seleto número de espécies, a atividade homossexual é generalizada e ocorre em níveis que se aproximam ou às vezes até mesmo ultrapassam a atividade heterossexual.
Não há um único motivo relacionado à prática homossexual, sendo esta associada a vários fatores. Entre as funções para a relação homossexual entre os animais estão a criação de filhotes, o reforço da hierarquia, por engano, o estreitamento dos laços entre indivíduos do bando visando a sobrevivência – proteção, etc. As fêmeas de albatroz-de-laysan (Phoebastria immutabilis) da ilha de Oahu (Havaí), por exemplo, unem-se em casais que podem durar a vida inteira, especialmente quando há escassez de machos na ilha. Estudos mostram que até um terço dos casais dessa espécie são formados por fêmeas e que essa união proporciona maior sucesso na criação da prole do que das fêmeas que vivem sozinhas.
Os cisnes-negros (Cygnus atratus) são animais monogâmicos e cerca de 25% dos casais são compostos por machos que ficam juntos por anos. Eles unem-se a uma fêmea, formando um trio temporário no intuito de obter os ovos. Assim que a fêmea põe os ovos, os machos a expulsam do ninho e cuidam deles juntos. Há alguns casos em que os casais de machos dessa espécie roubam os ninhos de casais heterossexuais, adotando seus ovos. Os cientistas especulam que os “filhos” de casais homossexuais tem maior chance de sobreviver, pois quando dois machos somam forças, conseguem defender melhor seu território em relação aos casais compostos por macho e fêmea.
Os bonobos (Pan paniscus) tanto machos como fêmeas apresentam comportamento homossexual. Esses primatas são muito ativos sexualmente e usam o sexo para resolver conflitos, pedir desculpas e para obtenção de prazer. Aproximadamente 60% da atividade sexual dessa espécie ocorre entre duas ou mais fêmeas, que atingem o orgasmo com extrema facilidade.
O besouro (Tribolium castaneum) apresenta um comportamento muito interessante. A princípio o comportamento homossexual do macho era visto apenas como uma maneira de eliminar seu esperma velho para que o novo pudesse ser reposto, porém com uma análise aprofundada desse comportamento foi possível observar que esse esperma depositado no aparelho reprodutor do macho ainda ficaria viável por algum tempo, e esse esperma poderia fecundar de forma indireta uma fêmea que viesse a acasalar como o macho que contivesse o esperma do outro.
O paradoxo darwinista é quebrado mediante esses estudos e aos vários exemplos observados na natureza. A homossexualidade entre os animais não interfere negativamente sobre as espécies, uma vez que estes não deixam de gerar descendentes. Além disso, a prática sexual entre indivíduos do mesmo sexo podem ser benéficas na manutenção das espécies, pois estreita os laços entre os indivíduos o que leva ao aumento da proteção do grupo e das chances de sucesso da prole.
Entre os seres humanos, no entanto, a prática homossexual muitas vezes é exclusiva, ou seja, os indivíduos relacionam-se apenas com outros do mesmo sexo. Apesar disso, os pesquisadores que estudam a homossexualidade humana tomam o cuidado de não assumir que os homossexuais nunca se reproduzem, mas que diminuem, em média, sua aptidão direta.
Na tentativa de explicar o paradoxo darwinista quanto à homossexualidade humana, Wilson (1975) sugeriu um possível papel dos homossexuais como ajudantes em suas famílias no sentido de aumentar a aptidão de seus parentes. Para eles, se indivíduos homossexuais ajudam seus familiares na criação de seus filhos, parte de seus genes são transmitidos por parentesco e, assim, equilibra a redução de sua aptidão direta. Entretanto, estudos feitos por Muscarella (2000) e Bobrow e Bailey (2001) mostram que homens homossexuais não atuam como auxiliares e não dão mais recursos financeiros ou emocionais para seus irmãos do que homens heterossexuais. Um estudo feito por Blanchard (1997) mostra um resultado de possível compensação. Seu estudo demonstrou que fêmeas nas linhagens maternas de homossexuais são significativamente mais fecundas comparadas às parentes maternas de heterossexuais. Não houve diferenças significativas, entretanto, entre parentes paternos de homo e heterossexuais (Camperio-Ciani, 2004 apud Blachard, 1997, Bobrow e Bailey, 2001, Muscarella, 2000, Wilson, 1975).
Existem atualmente, duas linhas associadas à homossexualidade masculina que apontam para fatores genéticos. A primeira linha vem de estudos da familiaridade da homossexualidade. Bailey e Zucker (1995) estudando a família de irmãos gêmeos, afirmam que o homossexualismo é mais comum em indivíduos que possuem irmãos homossexuais (Camperio-Ciani, 2004 apud Bailey e Zucker, 1995) (Ver artigo q fala 80%). Hamer e colaboradores mostraram uma elevada taxa de homossexualidade na linhagem materna de homossexuais. Esse dado levou à sugestão de que existem fatores genéticos (X-linked) favoráveis à homossexualidade masculina. Análises do DNA feitas em irmãos homossexuais mostraram um fator “candidato” localizado no gene X-q28, uma região distal do braço curto do cromossomo X (Camperio-Ciani, 2004 apud Hamer et al., 1993; Hamer e Copeland, 1995).
A segunda linha vem de estudos de diferenciação sexual do cérebro durante a vida fetal. O estudo constatou que, nos homens, a orientação homossexual se correlaciona com a ordem de nascimento tardio e um número elevado de irmãos mais velhos (Camperio-Ciani, 2004 apud Blanchard e Klassen, 1996; Blanchard, 1997). A hipótese de que a ordem tardia de nascimento e a razão entre irmãos refletem a progressiva imunização de algumas mães ao antígeno H-Y, apresentado pelo feto do sexo masculino. De acordo com a hipótese, após um número de gestações com fetos do sexo masculino, aumentando o efeito da reação de imunidade materna, haveria redução na diferenciação sexual do cérebro em fetos masculinos seguintes. Blanchard et al. (1997) sugerem que cada irmão mais velho adicional aumenta as chances de homossexualidade masculina no próximo feto em cerca de 35% (Camperio-Ciani, 2004 apud Blanchard, 1997).
Outra hipótese é dada por Werner (1999) que defende que heterossexuais e homossexuais exclusivos são homozigóticos opostos (tipo AA e aa). Essa heterozigose acarretaria maior suscetibilidade à influência ambiental sobre a sexualidade, podendo gerar o desenvolvimento tanto de padrões hetero quanto homo ou bissexuais. Como evidência de sua hipótese, ele compara diferentes formas de expressão da homossexualidade com a cultura em que o indivíduo está inserido, contudo, não há evidências genéticas que a sustem (Menezes e Brito, 2007 apud Werner, 1999).
Através de análise do comportamento sexual de diversas espécies, LeVay (1996) e Judson (2003) defendem que o padrão sexual predominante entre os animais seria a bissexualidade, o que indicaria que a prática sexual não está associada apenas à função reprodutiva (Menezes e Brito, 2007 apud LeVay, 1996 e Judson, 2003). Se o sexo possuir outras funções que não a reprodução, como o prazer, o organismo pode ter evoluído no sentido de ser suscetível a uma ampla variedade de estimulações sexuais – das quais o comportamento homossexual seria apenas uma consequência. Deste modo, nenhum padrão precisa ser, em si, evolutivamente vantajoso para ser selecionado: basta estar associado a um padrão que o seja (Menezes e Brito, 2007 apud Futuyma & Risch, 1984; Morris, 1968; Seaborg, 1984; entre outros).
O homossexualismo é um comportamento extremamente complexo e exige cautela e seriedade em seus estudos. A demonstração do comportamento homossexual em vários animais indica sua naturalidade. Esse comportamento deve ser investigado cientificamente sem restrições ou censuras, como uma manifestação comportamental e, dessa forma conhecer mais profundamente as características que nos tornam humanos. Compreender os papéis dos diversos tipos de relacionamentos entre indivíduos do mesmo sexo e a adaptação ecológica e evolutiva das populações onde esse fenômeno ocorre pode enriquecer o conhecimento de como a seleção natural molda as interações sociais, a reprodução e até mesmo a morfologia das espécies.
Referências:
CAMPERIO-CIANI, A.; CORNA, F.; CAPILUPPI, C. Evidence for maternally inherited factors favouring male homosexuality and promoting female fecundity. The Royal Society, 2004.
FORASTIERI, V. Orientações sexuais, evolução e genética. Candombá. Revista Virtual, v. 2, n.1, p. 50-60, jan./jun. 2006.
MENEZES, A. B. C.; BRITO, R. C. S. Reflexão sobre a homossexualidade como subproduto da evolução do prazer. Psicologia em estudo. Maringá, n. 1, v. 12, p.133-139, jan./abr. 2007.
SOMMER, V.; VASEY, P. L. Homosexual behavior in animals: an evolutionary perspective. Cambridge University Press, 2006.
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